segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Globalitarismo – Globalização e visão Paranóica do mundo.

Em Por uma outra Globalização (2001), Santos ressalta o processo de construção da idéia do mundo globalizado, como fábula. Tal processo se dá primordialmente através da repetição de um certo número de fantasias tidas - e assim, impostas - como realidade, e que acabam por se constituir como base aparentemente sólida de interpretação da própria realidade. Todavia, o que se observa é que o processo atual de globalização, através de suas linhas principais de imposição de forças homogeneizantes – o que Santos (2001) caracteriza como máquina ideológica - desconsidera as características territoriais locais, e impõe fragmentações ao espaço, assim como necessidades virtuais aos indivíduos; em detrimento da promoção da realização da cidadania plena e universal. Camufla as contradições existentes, através de uma metanarrativa que busca promover uma espécie, ou tipo, de “darwinismo social” baseado em condições de consumo, ou, em potencialidades de materialização do consumo; De tal maneira, nos revela, Santos:
“(...) Um mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais são aprofundadas. Há uma busca da uniformidade, ao serviço dos atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais distante o sonho da cidadania verdadeiramente universal. Enquanto isso o culto ao consumo é estimulado.
Fala-se igualmente, com insistência, na morte do Estado, mas o que estamos vendo é seu fortalecimento para atender aos reclamos da finança e de outros grandes interesses internacionais, em detrimento dos cuidados com as populações cuja vida se torna mais difícil(...)”. (Santos, 2001, p. 19)
O processo descrito acima, que tem sua gênese no modo de produção atual, se insere nas diversas instâncias da sociedade - no espaço, e também nas instâncias política-institucional e cultural-ideológica (Santos, 2008), e, de tal forma como as diversas instâncias contêm e estão contidas umas nas outras, a lógica do capital, ou a ideologia da reprodução do capital permeia todas as esferas da realização da vida. As linhas de ações que buscam promover os meios de reprodução do capital se inserem nos processos democráticos, deturpando a função representativa da democracia; corrompem o sentido identitário da produção cultural, transfigurando-a numa indústria de massa; estimulam a construção de uma mentalidade individualista e competitiva entre os indivíduos, cujas necessidades têm de se realizar no menor período de tempo possível. Perde-se a noção da perspectiva a longo prazo, e estimula-se a realização unicamente do agora, da felicidade instantânea, e efêmera, que se pode obter através da materialização do consumo - a fábula da globalização: “ O mundo ao alcance das mãos”.
Freud (1913), destaca a relação entre os sintomas neuróticos, da projeção da angústia interna a objetos externos, e fenômenos culturais – que pode se manifestar, também, por meio uma obra de arte, por um processo de sublimação, de uma doutrina filosófica, ou da religião. Assim, numa perspectiva didática de esclarecer a relação de tais projeções aos sintomas neuróticos, afirma que é possível “estabelecer que uma neurose obsessiva é a caricatura de uma religião e que um delírio paranóico é a caricatura de uma doutrina filosófica” (Freud, 1913, p.73 conforme Bell 2005, p.21). A partir de então, e tomando a força de expressão apresentada por Santos: “(...) o culto ao consumo é estimulado”(Santos, 2001, p.19), é possível observar que o consumo se coloca, no atual modelo de globalização, possível de se realizar nos dois níveis existentes, tanto como religião, tanto quanto doutrina filosófica. Como religião porque se impõe a necessidade do dinheiro ausente do um sentido teleológico, tomando-se por fim a necessidade do “dinheiro em estado puro”, do culto à realização da satisfação e obtenção do prazer, a partir do próprio acúmulo do dinheiro, e também como capital, e dessa busca como condição da felicidade e como possibilidade de realização plena da existência; como doutrina filosófica porque estabelece uma lógica de realização da vida, atribuindo o sentido da existência à condição de generalização da possibilidade de realização do consumo; deixa-se de consumir para viver, passa-se a viver para consumir.
De tal maneira que o mito de realização da existência, promovida e estimulada pela necessidade de criação constante de demanda - que se dá principalmente através da propaganda e das estratégias de marketing - resulta ao indivíduo na geração interna de ansiedade, e também externa, como valor agregado à mercadoria, uma ansiedade virtual instalada a partir da necessidade de se adquirir o novo: novas modas, tendências, tecnologias etc. Intensifica-se essa atmosfera de ansiedade, resultada e contida na tecnosfera (Santos, 2001), à medida que o indivíduo não pode, ou não consegue adquirir o que se afirma possível a todos, e quando acredita que reside no objeto de consumo a realização da felicidade, ou dos caminhos que possibilitem a felicidade; e mais, à medida que este indivíduo não representa um único sujeito, mas a totalidade de sujeitos que igualmente estão subjugados ao mesmo processo, submetidos à mesma parcela da marginalização, entretanto, em níveis desiguais. Bell (2005) argumenta que a gênese da paranóia reside na necessidade de lidar com aquilo que não toleramos. Ora, o não acesso ao universo de existência, de felicidade, de consumo, e prazer, que reside na fábula da globalização, no mito criado pela fábula, se impõe como idéia intolerável ao indivíduo, e a gênese do processo paranóico se instala no homem coletivo, e assim na totalidade da coletividade.
A paranóia se traduz na projeção de elementos internos não toleráveis para o mundo externo; encontra origem na ansiedade, que, também, resulta da percepção da incapacidade de ser completamente autônomo, completamente independente. O modelo atual de globalização, ao contrário do que afirma como discurso, impõe uma diminuição da autonomia ao indivíduo, entendido coletivamente, à medida que lhe impõe novas necessidades, virtuais, para a realização do cotidiano, da existência. A máquina ideológica vai estar sempre reforçando a vantagem de se estar sempre consumindo a produção, porque a produção necessita ter um mercado que esteja absorvendo a produção; de tal maneira como peça fundamental na composição da completude do indivíduo, está associado sua capacidade de consumir, e sua autonomia relacionado ao potencial que pode materializar o processo de consumo, quanto maior esse potencial, mais autônomo é o indivíduo. Sua autonomia não é mais medida em função da sua capacidade orgânica, humana de resolver os conflitos que lhe surgem; mas, artificialmente, e ainda a sensação que todas as suas demandas internas podem ser atendidas à medida que é capaz de mobilizar maiores quantidades de capital, em função do que o seu capital pode oferecer, em detrimento do próprio sentido humano de autonomia.
A diminuição da autonomia e independência do indivíduo para a realização da vida em função da possibilidade de desenvolver suas capacidades, é transferida aos objetos dispostos pelo mercado, em cada vez mais variedade, e quantidade. Não é que esse processo em si seja maléfico, mas a limitação da vida em função de mercadoria. Em alguns momentos essa lógica é reforçada socialmente, isso porque a ideologia do mercado passa a permear as relações inter-pessoais. O indivíduo passa a procurar nos diversos membros da sociedade a confirmação da sua compreensão e ratificação das suas escolhas, seja na leitura do comportamento dos outros indivíduos, ou mesmo, no respaldo de suas observações (ARONSON, WILSON, & AKERT, 2002). Assim, através da percepção de algum reforço positivo - um elogio, um gesto de aprovação, observação de um comportamento análogo - o indivíduo pode apropriar à sua identidade o objeto de consumo, atribuindo à sua autonomia um valor superlativo em função da incorporação da artificialidade, diminuindo sua ansiedade. Entretanto a percepção da artificialidade, da exterioridade, e não organicidade do objeto em relação a identidade do sujeito, a compreensão de que a expectativa foi construída em cima de uma fábula, e de que o objeto não corresponde exatamente ao propósito esperado, divulgado pela propaganda, promove uma ruptura entre o Ego e o mundo externo, ao remendo sobre o local dessa ruptura, é onde para Freud, se origina o delírio. Como neste trabalho o indivíduo é tomado na sua acepção coletiva, ou seja, a partir da sociedade e na sociedade, se depreende que esse delírio se revela na totalidade da própria sociedade, o que justifica a afirmação de Santos (2001) a respeito do culto e do fetichismo ao consumo; pois que um modo de diminuir a frustração - ao invés de lidar com o mundo real, concreto, se perceber vítima das suas contradições - é acreditar que o propósito da fantasia agregada ao produto poderá ser encontrada no próximo, enquanto não for superado por outro.
Bell, (2005) aponta nesse sentido, a própria realidade como fator possível de origem da paranóia,
“É uma peculiaridade do universo paranóico – um mundo intimidador, cheio de figuras aterradoras, que impede qualquer desenvolvimento – ser, para certas pessoas, preferível a algo que parece bem pior, a realidade. Todos sentimos dificuldade com determinados aspectos da realidade, mas para alguns isso implica a falta de controle da realidade em geral, que então é substituída por um mundo de delírio” (Bell, 2005, p.61)
Desse modo, o modelo de produção atual, e de globalização, impõe como lógica de realização da psique, a promoção de uma paranóia coletiva, neurose obsessiva e delírio paranóico coletivo, à medida que atribui significados de indispensabilidade à artificialidades, que por sua vez nem sempre podem ser adquiridos por um indivíduo, e mesmo quando podem não satisfazem por completo, e somente por um breve período, o propósito de satisfação, ou de condição de realização de liberdade, prazer, ou felicidade.
Para Marx, estes modelos ilusórios de interpretação da realidade, configuram-se elementos intrínsecos ao modelo de produção capitalista. Marx (conforme Bell, 2005, p.22) considerava a religião uma espécie de delírio coletivo, que tinha um fim importante dada a condição em que o homem se encontrava, porquanto que aos homens que para abandonar a ilusão a respeito da própria condição era necessário desistir de uma condição que exige ilusões. Assim, o modelo de produção atual, ao invés de promover ao homem a capacidade crítica de refletir sobre si e o mundo, ao contrário, tende a criar ilusões a respeito deste, a fim de que o mito da construção da felicidade e realização da vida continue atrelado ao processo de consumo. A própria condição de realização através do consumo é a maior fábula imposta pela repetição, arbitrariamente aceita pelos indivíduos, e reflexo da necessidade de criação de demanda aos processos produtivos cada vez mais ágeis.
Os processos de projeção do mundo interno ao mundo externo, e de introjeção do mundo externo ao mundo interno são naturais do processo de entendimento do mundo, e constituem nossa relação mais fundamental com o mundo ao redor, o que Klein (segundo Bell, 2005) entende como fase de “posição esquizoparanóide”. Entretanto, no processo paranóico, na tentativa de diminuir a ansiedade, e extinguir a angustia, quando projetamos uma ansiedade a uma figura externa, em seguida quando entramos em contato com ela, a introjetamos novamente; e à esta nova carga simbólica se estabelece a necessidade de projetá-la novamente, no que se estabelece um ciclo neurótico, onde essa carga tende a se intensificar cada vez mais.
O homem se realiza no espaço, é aí que encontra os elementos os quais se apropria, atribui valor e agrega à sua compreensão do mundo, para, a partir de então, realizar sua ação sobre este, o que coletivamente, através dos diferentes modos de organização, se constitui na produção e próprio espaço. Se a lógica encontrada no espaço, a partir da atual globalização, resultante do modo de produção atual, impõe um processo de neurose, na psique, esse processo estabelece também uma lógica de reprodução e intensificação do próprio processo neurótico; de onde se pode depreender que se torna cada vez mais dificultoso ao homem a compreensão da sua própria realidade, que se percebe num processo de limitação da sua própria autonomia; todos estes processos que têm sua gênese no modo de produção no espaço, que impõe essa lógica a todo indivíduo que compartilha o espaço e que a partir da sua ação, tomada coletivamente, produz espaço. Pode-se inferir, então, que a origem do movimento de reprodução das principais linhas de força do espaço, da submissão do homem à lógicas não-humanas - que inclusive impõe degradação aos processos naturais, ecológicos e ambientais, fragmentações ao espaço – em função da lógica do capital, está em parte, à incapacidade de refletir sobre o mundo concreto, devido aos processos de delírio paranóico, e paranóicos em geral, impostos à psique; mas também a outros processos de defesa do Ego.
A fragmentação do espaço se institui a partir dos processos existentes no espaço orientados pela lógica de caráter homogeneizadora e heterogeneizante do capital, na impossibilidade de realização de um indivíduo como cidadão, e no próprio indivíduo tomado em coletividade. A imposição neurótica aos indivíduos como resultado do modo de produção significa uma inversão da função e da forma da produção ao homem, do sentido da produção do espaço. A compreensão do mundo como perversidade é atingível por qualquer pessoa, contudo, como idéia intolerável, é indesejadamente projetada novamente no espaço, e dessa forma, são os sentimentos de solidariedade que são prejudicados, desagregados, fragmentados; vão se transformando em sentimentos de repulsa e distanciamento aos grupos mais desfavorecidos. Segundo Bell (2001)
“(...)os desamparados tornam-se, na nossa mente, a causa dos problemas deles mesmos, e as dificuldades que enfrentam, uma evidência de sua inferioridade moral. Quanto maior a degradação do grupo, maior a probabilidade de ele ser considerado não muito humano e, portanto, indigno da preocupação habitual com as pessoas”. (Bell, 2005, p. 74)
A diferenciação do eu, em termos de acessibilidade às infra-estruturas e bens de consumo, em relação ao outro, que não pode possuir, se estabelece numa relação de reafirmação desse distanciamento do grupo que “tem problemas”. As fragmentações no espaço são sentidas nas relações pessoais, e inter-pessoais; a compreensão sobre o homem se desumaniza, de modo que o homem que se realiza em coletividade se sente menos em coletividade, e não se percebe como um ente coletivo, mas como um indivíduo que se prepara para competir contra os demais. Entretanto, sua realidade concreta é proposta como resultado da realização coletiva, todas as instituições que observa, tudo que lhe cerca é resultado da ação coletiva coordenada. Novamente se instala uma ruptura entre o Ego e o mundo externo, de onde se originam os processos de ansiedade, e de delírio. O indivíduo ao mesmo tempo que se apresenta ao outro de forma menos ou não cooperativa porque o desconhece como um igual, também se perceber mais vulnerável, menos autônomo, mais ansioso, de onde se intensificam os processos neuróticos. Em contrapartida, o indivíduo que não consegue realizar o consumo, que imagina, ou que percebe, o qual, de modo geral, a sociedade realiza - ou o grupo onde se encontra inserido realiza - se sente perseguido, incapaz de pertencer ao grupo. O resultado desse conjunto de fragmentação é a violência.
Mike Davis (2001), defende a tese de que o aumento do uso de recursos de segurança na cidade ao contrário de possibilitar uma sensação de segurança maior, produz o efeito contrário; o que considera de grau crescente de paranóia urbana. Ao geógrafo parece óbvio essa constatação tendo em vista que o aumento de recursos de segurança reflete o grau de violência urbana. Essa constatação vem em encontro ao pensamento de que a forma concreta de equacionar a violência é através da reflexão do espaço, da análise das suas contradições, e da promoção de uma globalização mais humana, tendo em vista que o resultado imediato das fragmentações impostas pelo espaço é a violência, e como o capital se realiza de forma mais ampla na cidade (Carlos, 2007), é no espaço urbano que se institui com mais intensidade os resultados violentos, fruto dos processos de desumanização da vida, da lógica que não tem em seu fim a realização do individuo como cidadão, e da não valorização, ou desvalorização, do humano. Assim, que a racionalidade dominante acaba impondo a lógica do distanciamento entre as pessoas, entre os grupos, intensificando a fragmentação, impossibilitando a discussão política das soluções dos problemas.
No que se refere a relação entre a lógica do capital e a instância política-institucional, que se repercute no espaço, Bell (2005) ainda revela uma relação entre as posturas políticas, e o discurso orientado pela lógica da produção capitalista, na imposição do pensamento neurótico em favor do capital, citando como exemplo, “a notória habilidade de Margareth Thatcher em solapar o acordo de bem-estar social”. Assim, “o direito dos cidadãos de ter ensino e habitação como dever do Estado foi substituído por uma ideologia de propaganda que insinuava que quem procurava ajuda era na verdade um “parasita preguiçoso”, por exigir auxílio” do Estado ao invés “de bater perna e ganhar a vida sozinho como faria qualquer pessoa digna” (Bell, 2005, p.69). De forma que o indivíduo que realmente precisasse da política assistencial, ficasse inibido de ir recebê-la, como realmente aconteceu; pois que uma forma de aceitar essas política seria um modo de reconhecer a dolorosa situação em que vivia.
Desse modo, em função de se diminuir gastos com as necessidades da população, o Estado oferece por um lado a política assistencial, e por outro lado, promove um sistema ideológico que desestimula a população a utilizá-lo. A política assistencial deixa de ser um dever do Estado, e passa a ser uma vergonha ao indivíduo que tem o direito a recebê-la. Enquanto isso o Estado é capaz de subsidiar em milhões de dólares o grande produtor, através de inúmeros incentivos, promovendo uma lógica que continua a gerar grupos marginalizados, indivíduos, a quem o Estado nega o auxílio efetivo. De tal modo que o indivíduo só passa a ter valor, então, enquanto produtor, ou reprodutor do sistema, ou seja, na produção, ou enquanto consumidor.
Bell ainda lembra que muitos Estados, “com o fim de satisfazer a interesses menos manifestos, têm tido enorme sucesso em inculcar em nós essa visão paranóica do mundo” (Bell, 2005, p.73), a partir do discurso da justa afirmação dos “nossos valores” - princípios humanos - em detrimento dos “planos monstruosos” deles. Tal afirmação que converge com o entendimento de Santos quanto produção de um discurso que serve à construção de mundo como fábula, repetido incessantemente na tentativa de se impor como verdade, e que tem como sentido teleológico a defesa do grande capital; o que, a partir da sua análise, denuncia o caráter despótico da informação no modelo atual de globalização, que é produzida, e repetida, em função de objetivos atrelados ao capital, como aponta Santos (2001),
“O que é transmitido à maioria da humanidade é, de fato, uma informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde. Isso tanto é mais grave porque, nas condições atuais da vida econômica e social, a informação constitui um dado essencial e imprescindível. Mas na medida em que chega às pessoas, como também às empresas e instituições hegemonizadas, é, já, o resultado de uma manipulação, tal informação se apresenta como ideologia” (Santos, 2001, p.39)
Assim o modelo cria em contrapartida à fábula da globalização, um universo de perversidade que impulsiona o indivíduo para o universo paranóico. A atenção do indivíduo é direcionada à materialidade dos objetos e das formas; restando a preocupação com os modos mais profundos das relações interpessoais, ou com os processos internos aos sujeitos, a cada indivíduo, e mesmo à necessidade da compreensão dos processos que cercam o homem, em plano secundário. Retira-se em parte, ou limita-se, a autonomia do homem de refletir sobre si mesmo e sobre o mundo, e constrói-se, a partir da fábula e do mito da globalização, da existência de uma “aldeia global”, a imagem do Édem, de um paraíso possível a partir da técnica, e da tecnologia; incorporado à idéia e à possibilidade do consumo.
O resultado da concretização objetiva do desejo, um processo natural da realização da vida e de movimentação do homem em direção à ação, mas que passa a ter um caráter artificial, em função da satisfação de necessidades virtuais, se reverte costumeiramente como fim frustrante. Assim que, sendo essa frustração um dado concreto da realidade, somado à impossibilidade de racionalização dos processos que o cercam em geral, da própria realidade que o cerca, e das contradições desta realidade; resta ao indivíduo a necessidade de recorrer ao discurso hegemônico, a fim de encontrar alguma resposta à situação no qual se percebe inserido, e no discurso hegemônico, ao invés das respostas esperadas, provavelmente vai perceber os estímulos que promoveram os processos neuróticos da psique. De tal modo que o que se realiza é a intensificação do processo neurótico, e o reforço da necessidade do consumo, como forma de tentar diminuir a ansiedade, e que tem como resultado a intensificação desse processo. Ao grupo que se encontra impedido de acesso à realização do consumo, a perversidade é ainda maior e o pensamento neurótico, imposto pela fragmentação espacial, se coaduna no comportamento agressivo, na violência instalada nas localidades, da violência incidida no espaço.
De tal maneira que o atual modelo de produção possibilita não somente a consolidação do pensamento neurótico, mas proporciona sua intensificação como modelo de realização da vida, principalmente através do incentivo è individualidade e á competição, conforme Santos (2001). De modo que o indivíduo ao tentar se compreender no mundo, e na tentativa de entender o próprio mundo procura no comportamento dos outros indivíduos as respostas para as melhores tomadas de decisão (ARONSON, WILSON, & AKERT, 2002); assim que encontra a partir da observação das reações egoístas das outras pessoas - que também se encontram sob a ansiedade imposta ao homem pelo modelo atual de produção, e que então, também se encontram no mesmo estado neurótico - ratificam a postura neurótica. Processo que também resulta da fragmentação das relações solidárias, em detrimento da ética da competitividade, e da concorrência.
Conquanto que a população que vive à margem dos processos sente em maior grau de intensidade a perversidade da fragmentação imposta ao espaço e do processo de desumanização, todos os grupos são prejudicados por essa lógica. E o resultado mais evidente é a violência. De tal modo que devido a impossibilidade, inclusive orgânica, de se obter tudo que existe, e tudo que é produzido, se instalam novos processos de intensificação de uma ansiedade artificial, virtualmente instalada, que se amplia, dentro deste modelo de produção, à medida que a inovação tecnológica é capaz de promover inovações – quando o ideal, ou o lógico, seria ter a inovação técnica a serviço do homem.
A violência, assim, é o efeito colateral direto da racionalidade hegemônica, mais facilmente percebido; mas também a violência psicológica, ou imposta à psique, que é a origem da violência infligida pelo indivíduo e entre os indivíduos, percebida no espaço. Sendo a cidade o local de realização do capital, onde esse encontra as maiores potencialidades para realizar seus ciclos, (Carlos, 2007) e a metrópole o local onde o capital completa as fases de produção, distribuição e consumo, é na cidade que a violência adquire caráter mais intenso. Uma forma de violência que vai se estabelecendo como uma lógica; tendo em vista que é resultado da lógica dominante, do capital. E, assim, à medida que a perversidade sistêmica do “globalitarsimo” (Santos, 2001) - permitidas e produzidas através da lógica do capital - vai se apresentado de forma mais intensa, a realidade se coloca como uma idéia cada vez menos tolerável, impulsionando os processos paranóicos, e assim, institucionalizando a violência. Mais se intensificam os mitos para a construção da globalização como fábula, esta, que, desse modo, se afasta cada vez mais da realidade, impulsionando os processos de delírio paranóico, processos estes os quais, agressivos à psique do indivíduo, se estabelecem como alicerce à perpetuação da lógica do capital.



Bibliografia

BELL, David. Paranóia – Conceitos da Psicanálise. v.6. Rio de Janeiro, Rj: Relume Dumará: Ediouro: Segmento Duetto, 2005.
FREUD, Sigmund. Mal-estar na civilizacao(o). Rio de janeiro, RJ: Imago, 1974.
JUNG, C. Sincronicidade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
MORAES, A. C. Robert. Geografia – uma pequena história crítica. São Paulo: Hucitec, 1995.
SANTOS, Milton. Espaço e Método. São Paulo, SP: Edusp, 2008.
SANTOS, Milton. Metamorfoses do Espaço Habitado. São Paulo: Hucitec, 1996.
SANTOS, Milton. Por Uma Geografia Nova: Da Crítica da Geografia a uma Geografia Crítica. São Paulo, SP: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.
SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização: do Pensamento Único à consciência universal. 5°ed. – Rio de Janeiro, RJ: Record, 2001.



*Esse é um capítulo da minha dissertação de monografia.

axé!